Desde o princípio, a humanidade encontrou na natureza dois recursos essenciais à sobrevivência: água e alimentos. Ao longo da história humana, a natureza foi também uma farmácia natural para a cura de inúmeros males.
Civilizações antigas desenvolveram muito conhecimento sobre plantas, ervas e outros recursos naturais utilizados contra dores, ferimentos, doenças e diversos problemas de saúde. Registros antigos em papiros e livros fazem alusão ao uso de plantas medicinais pelas civilizações egípcia e chinesa.
No Brasil, o Padre José de Anchieta relatou o uso de plantas medicinais e comestíveis por indígenas, com base em observações feitas por Pero Vaz de Caminha, no século 16.
O desenvolvimento da indústria farmacêutica ocorreu após a Segunda Guerra Mundial. Com isso, as tradições milenares perderam espaço para o comércio de medicamentos sintéticos, mas o uso de ervas e plantas medicinais não foi totalmente descartado.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, 80% da população mundial ainda faz uso da fitoterapia em tratamentos e na prevenção de doenças. Inúmeras pessoas buscam, na natureza, a cura para os males do corpo e da alma, aumentando, com isso, o interesse pela medicina da floresta. Não à toa, prosperam companhias que comercializam medicamentos homeopáticos, fitoterápicos e outros compostos à base de plantas e ervas medicinais.
Fato é que a riqueza medicinal das florestas brasileiras chama a atenção do mundo. O conhecimento popular não pode ser descartado.
A Amazônia, por exemplo, é considerada uma “mina de ouro”, tamanha é sua biodiversidade. Ela é a maior farmácia natural do mundo. Cada árvore, folha ou raiz pode ser utilizada a favor da saúde e bem-estar da sociedade. A Mata Atlântica é uma rica fonte para o desenvolvimento de projeto de medicina da floresta no Brasil.
Medicina alternativa: ayahuasca pode combater abuso de álcool e tratar depressão
A ayahuasca é um chá utilizado por indígenas da Amazônia para a cura do corpo, da mente e do espírito. Estudiosos dizem que a bebida chegou aos indígenas por meio dos incas, que a utilizavam há mais de 5 mil anos. Na linguagem Quíchua, “aya” significa espírito ou alma, e “huasca” significa chá ou vinho.
No Brasil é mais conhecida como “chá do Santo Daime”, bebida sacramental deste movimento religioso que teve seu início no interior da Floresta Amazônica, nas primeiras décadas do século XX.
Essa bebida é produzida a partir de duas plantas nativas da floresta amazônica: o cipó mariri ou jagube (Banisteriopsis caapi) e folhas do arbusto chacrona ou rainha (Psychotria viridis), que causam efeitos psicoativos.
Segundo matéria recente publicada no Uol (24/09/2021), intitulada “Estudos inéditos testam ayahuasca para tratar abuso de álcool e depressão”, dois novos experimentos irão testar a eficácia terapêutica da bebida psicodélica ayahuasca para problemas de saúde mental. Já em andamento, os estudos vão avaliar os benefícios nos tratamentos de abuso de álcool por universitários e para TDM (transtorno depressivo maior).
Este estudo com ayahuasca e psicodélicos em geral, é o primeiro a ser realizado, randomizado e controlado com placebo para abuso de álcool.
Rafael Guimarães dos Santos, neurocientista da FMRP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto) da USP (Universidade de São Paulo), responsável pelas pesquisas, explica como funciona. “Os últimos [estudos] foram com LSD nos anos 1960-70, e os modernos com psilocibina não têm placebo”, acrescenta o neurocientista.
No caso da pesquisa sobre o potencial antidepressivo da ayahuasca, o especialista destaca que o estudo fará uma comparação direta com o anestésico psicodélico cetamina por via oral e com placebo, por meio de doses repetidas.
“Nunca se testou o efeito antidepressivo da ayahuasca com mais de uma dose”, destaca Santos.
Os dois novos estudos conduzidos por pesquisadores do Laboratório de Psicofarmacologia da FMRP já estão em andamento. Eles irão trabalhar com participantes universitários de 18 anos ou mais que fazem de álcool de forma abusiva.
“Sabemos que a população adulta jovem é a que mais consome álcool, especialmente a universitária”, comenta o pesquisador sobre o estudo pioneiro, que irá testar a hipótese de redução do consumo após uso da ayahuasca, comparado com placebo.
Na pesquisa para depressão, os participantes devem ter 18 anos ou mais, diagnóstico de TDM e bom estado geral de saúde. “Os tratamentos farmacológicos atuais costumam demorar de semanas a meses para fazer efeito e não ajudam cerca de um terço dos pacientes”, avalia o pesquisador. Para saber tudo sobre a pesquisa, clique aqui.
Mais sobre a ayahuasca
Entre os nativos, a ayahuasca é usada para propósitos de cura, religião e para fornecer visões que são importantes no planejamento de caçadas, prevenção contra espíritos malévolos, bem como contra ataques de feras da floresta. Em rituais religiosos, uma preparação de corpo e mente é feita por meio do jejum antes da ingestão da ayahuasca. Elementos como o álcool, drogas, carnes, laticínios, cafeína e açúcar devem ser evitados. O período de duração e os elementos a serem evitados variam entre as práticas religiosas.
É uma bebida tradicionalmente utilizada para cura espiritual em cerimônias realizadas pelas populações indígenas da Bacia Amazônica. Na década de 1930, começou a ser usada em ambientes religiosos de pequenos centros urbanos brasileiros, alcançando cidades na década de 1980 e se expandindo para várias outras partes do mundo. No Brasil, a ayahuasca tem um status legal para uso ritual desde 1987.
Os efeitos psicológicos agudos da ayahuasca duram cerca de quatro horas e incluem intensa percepção, cognitiva, emocional e afetiva a mudanças. Embora casos de náuseas, vômitos e diarreia sejam frequentemente relatados, a evidência de montagem aponta para um perfil de segurança positivo da ayahuasca.
Por exemplo, a ayahuasca não é viciante e não está associada à psicopatologia, personalidade ou cognitivo de deterioração, promovendo apenas sintomas simpaticomiméticos efeitos.
Nas duas últimas décadas, avaliações de saúde mental de os consumidores de ayahuasca mostraram função cognitiva preservada, aumento do bem-estar, redução da ansiedade e sintomas depressivos quando comparados aos consumidores de não-ayahuasca. Além disso, um recente estudo observou que uma dose única de ayahuasca aumentava capacidades relacionadas à atenção plena e a meditação práticas tem sido associada a efeitos antidepressivos.
Wclebson Gomes da Silva, aconselhador contra a dependência química, coordenador de casa terapêutica e também coordenador da casa Caminho de Luz no Acre, explica que a ayahuasca é uma bebida enteógena, ou seja, que promove uma espécie de “viagem” para dentro do ser em busca de centralidade e da manifestação interior do divino.
“A ayahuasca faz um trabalho de aproximação da pessoa com sua fé, seja ela qual for. Tudo que o ser humano precisa está na natureza. Se ele soubesse disso, não usaria nada farmacológico. A ayahuasca é uma medicina alternativa que proporciona mais calma, serenidade, bondade ao ser humano. Ela não é um alucinógeno, ninguém fica vendo coisas que não existem. Ela faz você voltar para dentro de si. Ter contato com o seu deus interior. A pessoa terá contato com o que precisa melhorar nela mesma”.
Cerca de 20 a 40 minutos após sua ingestão, inicia-se um processo psico-fisiológico de mudança na percepção sensorial, ocasionado pelo aumento de neurotransmissores.
No quintal do Movieco é possível conferir algumas plantas medicinais.
Pode ser explicada brevemente pela desconstrução do ego, que são os “eus” criados inconscientemente para lidar com situações presentes na sociedade, que possibilita o descobrimento do “eu real”.
Relatos também constatam a eficácia da ayahuasca no sentido de ressignificar o passado, ajudando no tratamento de eventos traumáticos, fobias e comportamentos compulsivos ou inadequados, entre outros benefícios.
“Foi comprovado que não é droga. É inofensivo. Trata-se de uma medicina natural dos povos originários. Vale lembrar que o espírito humano muitas vezes adoece, e quando ele está fortalecido, dificilmente o corpo físico adoece. E já vi pessoas sendo curadas de depressão, de dependência química, barriga d’água, alcoolismo, de libertas de pensamentos suicidas. Vi pessoas que chegaram lá (na Caminho de Luz) desenganadas pelos médicos e depois da ayahuasca resgataram sua qualidade de vida e saúde”, relata.
A Ayahuasca é composta basicamente de uma folha (Chacrona) e um cipó (Jagube), que após cozimento em água se transformam em um chá, num processo chamado de feitio.
A Chacrona contém uma substância chamada DMT (Dimetiltriptamina), que abre a consciência da pessoa para novas perspectivas da realidade, conforme já comprovado cientificamente. Já o Jagube contém a substância IMAO, que possibilita uma atuação mais prolongada do DMT no nosso organismo.
É importante salientar que estudiosos apontam que o DMT é produzido por nós, pela nossa glândula pineal, no momento de nosso nascimento e no momento de nossa morte.
A ayahuasca também é chamada de “La Pequeña Muerte”, porque causa gradualmente “mortes” de “Eus” que nós fabricamos, inconscientemente, para lidar com situações adversas que enfrentamos na vida em sociedade, quando temos de agradar e atender a “crenças” estabelecidas, que vão de encontro ao nosso “Eu Real”. Muitos chamam esses “Eus fabricados” de Ego.
Outros estudos sobre ayahuasca
Publicação no site da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (de 2018), aponta que existem 300 milhões de pacientes com depressão no mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Destes, 100 milhões não respondem aos antidepressivos comerciais disponíveis.
Porém, um grupo de pesquisadores brasileiros, coordenado pelo Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ICe-UFRN), parece ter encontrado um caminho para a solução deste problema.
Intitulado de “Efeitos antidepressivos do psicodélico ayahuasca em depressão resistente a tratamento: um ensaio randomizado com placebo-controlado”, a pesquisa demorou um ano e cinco meses para ser publicada no periódico britânico Psychological Medicine. Com enorme repercussão, o estudo é realizado desde 2011 e consistiu na realização de testes controlados durante sete dias, com 29 pessoas, das quais 21 mulheres e oito homens, entre 19 e 59 anos, que conviviam com a doença há 11 anos, em média.
Deste grupo de pacientes com depressão resistente ao tratamento, dois sub-grupos: 14 receberam ayahuasca e 15 receberam placebo. O psicodélico foi enviado à UFRN pela igreja Barquinha, de Ji-Paraná (RO). O placebo foi desenvolvido a partir de componentes que faziam lembrar a cor e o sabor da ayahuasca.
Os testes foram administrados no Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL), com acompanhamento de dois pesquisadores. Os resultados chamaram atenção e demonstraram persistência na melhora dos participantes que ingeriram a ayahuasca em relação aos que usaram o placebo.
“Sete dias após a sessão, o efeito aumentou e 64% dos pacientes responderam à ayahuasca, enquanto 27% responderam ao placebo”, explica Fernanda Palhano-Fontes, primeira autora do estudo.
“Os povos originários também utilizam outras formas de medicina, extraídas da floresta, como a sananga, o kambo e o rapé. Elas também têm o seu poder de cura, tanto para depressão, quanto para pensamento suicida, tabagismo, dependência química. Mas apenas o indígena pode fazer uso delas”, explica Wclebson Gomes da Silva
Ayahuasca contra o suicídio
O suicídio é um grande problema de saúde pública no mundo, sendo responsável por quase 800 mil mortes por ano.
No Brasil, esse índice tem piorado segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), que observou aumento de 7% em 2016. Estudo publicado em 2018, no periódico britânico Psychological Medicine, já havia mostrado que a ayahuasca é eficiente na redução dos sintomas da depressão.
O desdobramento desse trabalho mostra que os efeitos desse chá vão além e podem ter importantes resultados na redução do risco de suicídio em pacientes que se submeteram à sessão controlada do uso desse psicodélico.
Os efeitos antidepressivos da ayahuasca já tinham sido investigados anteriormente, mas é a primeira vez que um trabalho testa uma substância psicodélica em pacientes com depressão maior, usando um ensaio randomizado controlado por placebo para depressão. Outro dado importante é que, na seleção dos voluntários, não foram excluídas pessoas com transtorno de personalidade, o que amplia os resultados do estudo.
Na nova fase da pesquisa, que vem sendo desenvolvida desde 2006, foi demonstrada que a ideação suicida dos pacientes estudados diminuiu já no primeiro dia após o uso da ayahuasca, se mantendo baixo até sete dias após a intervenção. Os pacientes que beberam placebo também apresentaram alguma melhora, mas bem menos significativa do que os pacientes do grupo ayahuasca.
Para saber mais, consulte o site da UFRN.
Fonte: Informações retiradas dos sites da UFRN, UEM, Blog Imedicina, G1 e Uol