Alguns dos maiores bancos centrais do mundo estão involuntariamente ajudando a financiar gigantes do agronegócio envolvidos na destruição da Amazônia brasileira. Essa informação é de um relatório publicado na quarta-feira, dia 28.
O Banco da Inglaterra, o Federal Reserve dos EUA e o Banco Central Europeu estão entre as instituições que compraram milhões de dólares em títulos emitidos por empresas ligadas ao desmatamento e à grilagem. Esse apontamento consta no relatório Bankrolling Destruction, publicado pelo grupo de direitos Global Witness.
“Como esses programas são garantidos pelos respectivos governos no Reino Unido, Estados Unidos e Estados-Membros da UE, isso significa que os contribuintes em todos esses territórios estão inadvertidamente subscrevendo empresas envolvidas na destruição da Amazônia e de outras florestas tropicais”, segundo o relatório.
Os bancos compram títulos corporativos emitidos por grandes empresas na tentativa de injetar liquidez nos mercados financeiros, quando o setor privado está relutante em emprestar. Conhecidas como “programas de compra de ativos” essas medidas visam reduzir o custo dos empréstimos para as empresas. Elas foram amplamente utilizadas durante a pandemia como forma de fortalecer as economias.
Algumas das empresas que venderam títulos estão ligadas à destruição ambiental, diz o relatório, nomeando a Cargill, Inc., a Archer-Daniels-Midland Company (ADM) e a Bunge Ltd Financial Corp, três dos maiores conglomerados de agronegócios que operam no Brasil.
O que eles dizem
O Brasil é um dos maiores produtores ou exportadores mundiais de grãos, café, soja, frutas e outras matérias-primas, e as três empresas já enfrentaram acusações anteriores de irregularidades. O Guardian informou sobre as ligações entre a Cargill e a Bunge e uma fazenda brasileira que está ligada a abusos de direitos e terras indígenas.
Abordando as alegações do relatório da Global Witness, a Cargill disse que estava “comprometida em acabar com o desmatamento e a conversão em nossas cadeias de suprimentos agrícolas”. A Bunge afirmou que estava “comprometida em cumprir todas as regulamentações nos mercados local ou global e aderir às nossas próprias políticas socioambientais rígidas”. A ADM não respondeu aos pedidos de comentários.
Mas foram os bancos centrais que suportaram o peso das críticas.
“Desde 2016, o Banco da Inglaterra também comprou uma ação não divulgada em um título corporativo de £ 150 milhões emitido pela Cargill, Inc., e o Banco Central Europeu comprou uma quantia não divulgada de dívida emitida pela Bunge Finance Europe BV”, diz o relatório.
E apenas nos últimos dois anos “o Federal Reserve dos EUA comprou um total combinado de US$ 16 milhões em títulos emitidos pela Archer-Daniels-Midland Company (ADM), Bunge Ltd Financial Corp e Cargill, Inc.
“Tudo isso ocorre apesar das repetidas declarações públicas dos três bancos centrais enfatizando os riscos que as mudanças climáticas representam para a estabilidade financeira e o crescimento econômico de longo prazo.”
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A Global Witness disse que o Federal Reserve “anulou” seu esquema de compra de títulos e o Banco da Inglaterra iniciaria o mesmo processo este mês.
O Fed disse que adotou a política como medida única em 2020 para salvar empregos durante a pandemia global e não tem planos de fazê-lo novamente.
O Banco da Inglaterra disse que tomou medidas para reduzir os custos de empréstimos para todas as empresas e destacar que o apoio dado à Cargill era “um foco extremamente estreito”.
O Banco Central Europeu, por sua vez, disse que “pretende descarbonizar gradualmente suas participações em títulos corporativos, em um caminho alinhado com os objetivos do Acordo de Paris. Para esse fim, o Eurosistema irá inclinar estas participações para emitentes com melhor desempenho climático através do reinvestimento dos resgates consideráveis esperados nos próximos anos.”
No entanto, a Global Witness disse que a recusa dos bancos do Reino Unido e da UE em publicar os valores de suas participações nas empresas criou “uma falta de transparência”.
“Como supervisores do setor financeiro privado, os bancos centrais devem dar o exemplo e adotar uma política explícita de desmatamento zero como parte de sua abordagem às mudanças climáticas, incluindo o desinvestimento de todos os títulos vinculados ao desmatamento e maior escrutínio da ameaça à estabilidade financeira representada pelo desmatamento e perda de biodiversidade”, disse o relatório.

Região Amazônica
O relatório ocorre em meio à destruição contínua na região amazônica, uma vasta área que abrange partes de nove países sul-americanos diferentes e um sumidouro de carbono vital para absorver as emissões que impulsionam a crise climática.
O desmatamento sob o presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro atingiu um recorde nos primeiros sete meses do ano. Trata-se da última estatística chocante sob um presidente que fez vista grossa para os madeireiros ilegais, pecuaristas e mineradores ativos na região.
Já, 26% da Amazônia foi derrubada e algumas partes passaram do ponto de inflexão onde florestas anteriormente exuberantes se transformaram em savanas secas, de acordo com um relatório divulgado no início de setembro por cientistas e organizações indígenas.
“Acho que este relatório é uma análise muito útil que destaca a necessidade de os bancos centrais analisarem sua exposição ao desmatamento em seus portfólios”, disse Nick Robins, professor de financiamento sustentável da LSE.
“2022 é realmente o ano em que os bancos centrais reconheceram o risco da natureza como uma ameaça às instituições. O foco até agora tem sido no setor de energia, mas este é outro sinal de que o desmatamento e o uso da terra precisam ser colocados no centro dos cenários climáticos.”
Conteúdo extraído do site Nosso Futuro Roubado