Dados recentes mostram que o ano de 2020 caminha para ser o mais devastador em relação a registros de incêndios florestais e danos causados ao meio ambiente, superando os índices do ano passado. Olhando para agosto de 2019, os incêndios na Amazônia - a maior floresta tropical do mundo - foram os piores registrados dos últimos 7 anos. No ano passado as queimadas ocorrem também em outros países da América do Sul. Além disso, outros estados como São Paulo e Paraná também tiveram focos de incêndio. No Pantanal, que neste momento arde em chamas diante de nossos olhos, os primeiros dez dias de setembro contabilizaram 2.550 focos de queimadas, 88% do volume registrado durante todo o mês de 2019, de acordo com Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Também de acordo com o INPE, em Poconé (MT), os incêndios queimam áreas de mata e castigam animais e também produtores e a população. Essa é a maior série de queimadas na região nas últimas duas décadas. As labaredas atingiram dois milhões de hectares, uma área equivalente a dez vezes os territórios dos municípios de São Paulo e Rio de Janeiro juntos, segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Apesar da situação das queimadas ser uma pauta séria que exige atenção e medidas reais de contenção, por parte do governo federal e da sociedade civil como um todo, para o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) parece que não é bem assim. Durante discurso para a 75ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), na última terça-feira (22/09), o presidente brasileiro disse que o Brasil é "vítima" de uma campanha "brutal" de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal. Segundo ele, a floresta amazônica é úmida e só pega fogo nas bordas e os responsáveis pelas queimadas são “índios” e “caboclos”. Discurso de Bolsonaro O presidente ainda complementou que "Os incêndios acontecem praticamente nos mesmos lugares, no entorno leste da floresta, onde o caboclo e o índio queimam seus roçados em busca de sua sobrevivência, em áreas já desmatadas". "Quando o governo federal, especialmente o presidente da república, negam os dados sobre o desmatamento na Amazônia e acusam ONGs, ribeirinhos e povos indígenas por esses 'incidentes', ele está acobertando os reais autores desses crimes. A postura do governo federal tem sido praticamente de apologia e estimulo à grilagem de terras, queimadas, desmatamento e garimpo ilegal", diz Silvia Mara da Mata, 42 anos, arquiteta e urbanista. De acordo com apuração do G1 na editoria Fake e Fato, essa fala de Bolsonaro é classificada como fake. Segundo a equipe apurou, a floresta permanece úmida em algumas regiões, mas o avanço do desmatamento e a abertura de estradas levaram à perda de parte de suas características originais, e, assim, a Amazônia se tornou mais suscetível a grandes incêndios, explica o ambientalista Antonio Oviedo, assessor do Instituto Sócio-Ambiental (ISA), ONG presente na Amazônia há 25 anos. “Afirmar que a floresta é úmida como um todo era algo verdadeiro há 60 ou 70 anos; hoje, com 20% desmatado, isso não é mais um fato. Ela é úmida em áreas como no interior do Rio Solimões ou no alto do Rio Negro, onde não tem muitas estradas, mas mesmo lá o fogo já tem entrado, por conta do desmatamento. Quando se fragmenta a floresta em blocos, vem o efeito de borda. Quanto mais bordas tiver, mais seca fica, e facilita a entrada do fogo”, afirma Oviedo. Ane Alencar, diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), ONG que desde 1995 trabalha pelo desenvolvimento sustentável na região, reforça que “o desmatamento, a exploração da madeira e outras atividades humanas mudam a condição da floresta úmida como barreira ao fogo”, e que “a floresta não queima sempre no mesmo lugar”, mas, sim, onde o incêndio é provocado. Porta-voz do Greenpeace, Rômulo Batista, há 15 anos na Amazônia, lembra que não se pode mais falar da região como uma floresta primária. “A Amazônia sofre com desmatamento, extração de madeira, clareiras, e isso faz com que mais sol entre no interior da floresta e seque a matéria orgânica, o que favorece quando há incêndio. Ela queima mesmo úmida. De 1º de setembro até agora, 44% dos focos foram em áreas de floresta já degradadas”, esclarece. Sobre os focos na área do “entorno leste” da floresta, citada por Bolsonaro, esta não é a região onde se concentra o maior número de incêndios florestais, de acordo com dados de 2019 do IPAM. De acordo com Silvia Mata, a MP 910, de 2019, que trata da regularização fundiária - dando posse aos grileiros - funciona como um forte estímulo ao crime ambiental. "No discurso do governo é notório que sua intenção é estimular a ocupação da Amazônia, áreas do cerrado e Pantanal. E essa ocupação tem se dado de forma caótica, sem critérios e sem aproveitar os recuros que a floresta oferece estando de pé". Nenhum dos dez municípios líderes em focos localiza-se no extremo leste amazônico, nos estados do Maranhão e do Tocantins – as cidades ficam no Amazonas, Pará, Roraima, Rondônia e Mato Grosso. As regiões da BR-319 (Porto Velho-Manaus), BR-163 (trecho Cuiabá-Santarém) e BR-364 (trecho Porto Velho-Rio Branco) são especialmente críticas. A respeito da autoria dos incêndios, dados de satélite monitorados pela Nasa mostram que, neste ano, 54% dos focos na Amazônia tiveram como origem o desmatamento. Um novo sistema da agência espacial dos Estados Unidos capaz de apontar em tempo real a localização de queimadas e as razões pelas quais surgem, revelou, em agosto, que as pequenas queimadas para limpeza de pastagem foram responsáveis por 12,81% das ocorrências; já o desmatamento, por 54,34%. Ainda sobre a relação entre os indígenas e as queimadas, o Observatório do Clima ressalta que uma nota técnica do IPAM também mostrou que apenas 7% das queimadas no ano passado ocorreram em terras indígenas, que correspondem a 25% da região. “Vamos desmistificar essa ideia que os indígenas queimam a Amazônia; 42% do desmatamento amazônico ocorre em terras públicas não destinadas ou sem informação cadastral. Ou seja, são áreas que estão sendo ocupadas por atividades como grilagem, particulares que querem se apossar de terras públicas”, aponta Ane Alencar, do IPAM. “Não tem a mínima condição de imaginar que uma comunidade indígena é responsável por um incêndio de 200 km². Indígenas, caboclos e ribeirinhos fazem um roçado numa área de 20 x 20 metros, um fogo que não se alastra”, diz Antonio Oviedo, do Instituto Socioambienta (ISA). “Sobrevoei áreas desmatadas, e depois queimadas, de 4 mil, 5 mil hectares. É inconcebível um pequeno agricultor, um ribeirinho ou uma família indígena fazer isso”, atesta o porta-voz do Greenpeace. Além da perda da biodiversidade e dos benefícios que poderíamos ter, explorando a floresta com critérios científicos, há um outro problema: o acirramento dos conflitos locais. “As queimadas ocorrem por desmatamento, práticas agrícolas e incêndios que escapam para florestas,” afirma o Observatório do Clima, citando os dados da Nasa. "O governo tem incentivado o armamento da população, sobretudo dos grileiros, que, por meio do crime ambiental, se tornam fazendeiros. Isso incrementa a violência contra ribeirinhos e indígenas que já estavam lá vivendo da terra e da floresta", explica a urbanista Sílvia Mata. Fiscalização A redução na fiscalização é parte relevante da política ambiental do atual governo. Ex-funcionários dos órgãos de preservação relatam forte pressão do presidente e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ao cumprirem as atividades de vigilância. Em 2019, o ex-diretor do INPE, Ricardo Galvão, foi demitido, mesmo com mandato vigente, após o governo questionar os dados do INPE sobre a alta do desmatamento na Amazônia. Na ocasião, Ricardo Sales disse que “o tempo seco contribuía para as queimadas e que 99% dos focos de incêndio foram causados pelo homem”. Na reunião ministerial de 22 de abril passado, o ministro Ricardo Salles sugeriu que o governo aproveitasse que a cobertura da imprensa estava focada na pandemia para “passar a boiada” e afrouxar regulamentações ambientais. O órgão voltou a ser atacado ao divulgar os dados das queimadas do Pantanal – desta vez, pelo vice-presidente Hamilton Mourão. Para a professora aposentada de 63 anos, Maria Aparecida - popularmente conhecida como Cidoca - está claro que o governo federal, que é o poder maior, poderia tomar a frente dessa situação e propor uma solução. "É da natureza que sai nosso alimento, nossa comida. Dependemos da fauna e da flora e nossos animais têm sido queimados vivos. Não estamos falando de maus tratos ou desatenção, o Pantanal está em chamas e os animais estão sendo queimados vivos. A responsabilidade é de todos, mas o governo precisa intervir". O desprezo do atual governo pela ciência faz com que ele estimule esse projeto de ocupação do nosso território com métodos arcaicos voltados à monocultura ou pecuária expansiva. Isso condena o Brasil a continuar ocupando a posição de fornecedor dessa matéria-prima para o mercado mundial. Sílvia Mata relembra que desde a pré-campanha de Bolsonaro já estava claro que ele partiria para o desmonte das estruturas de proteção ambiental. "Resta-nos exigir dos outros poderes, como o Ministério Público, a Câmara dos Deputados e Senado, que contenham esse ímpeto destrutivo. Também podemos apoiar ONGs que realizam trabalhos sérios, e que já vinham ajudando os órgãos ambientais públicos a cuidar dos nossos biomas. A opinião pública e a pressão popular são muito importantes também", finaliza. Projeto Ecologia do Ser O Movieco - Movimento Ecológico é uma ONG que realiza diversos projetos de proteção e educação ambiental. Dentro do Projeto Ecologia do Ser destacamos a utilização da medicina das florestas e da natureza como práticas comuns. Os participantes do Projeto, assim como a sociedade civil, ficam sensibilizados com as queimadas que estão ocorrendo na Amazônia e no Pantanal, bem como pelo sofrimento e dificuldades que os povos indígenas têm enfrentado. "Essa situação afeta os povos indígenas, a natureza e os animais. Afeta a todos nós, direta e indiretamente", diz Tânia Mara, Coordenadora da ONG. Com informações do G1 e EstadãoImagens do texto obtidas no portal G1Foto destaque: Gabriela Biló/Estadão Conteúdo