Vestido para uma apresentação de dança que começaria dali a meia hora, com um cocar de penas brancas, chocalhos nos tornozelos e adornos de cor vermelha, branca e azul amarrados nos braços, nas pernas e no quadril, Oreme sai debaixo do sol forte e entra em uma das casas grandes e frescas da aldeia Moygu do povo Ikpeng, na região do Médio Xingu em Mato Grosso.
Ele tem a voz rouca, em parte pelas muitas conversas em que sua fala vem sendo solicitada nos últimos dias, em parte pela poeira e o tempo seco que se intensificam no Xingu. Apesar disso, não parece cansado ou impaciente.
Depois de um semestre morando em Sorocaba (SP), Oreme está em casa pela primeira vez para o encontro que marca os 15 anos da Rede de Sementes do Xingu, organização em que atua desde a adolescência.
“Eu fico até sem palavras para explicar esse momento. [Comemorar] quinze anos na minha casa, na minha aldeia, com a minha família”, diz a Ecoa. “Fico muito feliz por ter contribuído com essa história”.
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‘Nós indígenas somos engenheiros’
O ativista ambiental do povo Ikpeng e técnico em agroecologia de 30 anos nasceu e cresceu no Território Indígena do Xingu e ali concluiu o ensino médio e técnico, mas queria continuar os estudos. “Desde a minha infância, eu sempre pensei em cursar uma faculdade”, conta.
Ainda bem jovem, ele comunicava esse desejo à professora e engenheira florestal Fátima Piña-Rodrigues, que dava cursos de colheita e manejo de sementes nativas na região do Xingu. “Isso eu gravei. Ele falava: ‘vou estudar na sua universidade'”, diz Fátima, que tem uma relação de longa data com a família de Oreme. Ela conheceu o avô de Oreme, o cacique Melobo, no Xingu ainda nos anos 1990.
Esse sonho levou Oreme a deixar temporariamente sua aldeia para ir para a cidade. Em 2022, ele ingressou no curso de engenharia florestal da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), alocado no campus de Sorocaba.
“Fui buscar título, ter um papel dizendo que sou engenheiro florestal. Nós indígenas, que vivemos de meio ambiente, somos engenheiros agrônomos, florestais, tudo”, diz. “Eu fui lá na cidade aprofundar meus conhecimentos técnicos e teóricos, aproveitar a tecnologia de lá, [para depois] voltar para cá e continuar com o reflorestamento e com o ativismo”.
Oreme já tem um plano. Inspirado pelo trabalho do pai, que constrói as casas da aldeia, ele quer trabalhar com o manejo sustentável das madeiras nativas utilizadas nesse âmbito, como pindaíba e roxinho. “Pretendo plantar para não faltar no futuro”, explica.
‘A semente é um instrumento de ativismo’
Oreme tinha seus 16 anos quando começou a se envolver com a questão ambiental e social. Seus pais e a avó tinham o desejo de que estudasse medicina. Mas, mesmo gostando de ajudar as pessoas, ele não se via na carreira.
O que o encantou foi a luta do movimento indígena. Oreme se inspirou em figuras como Paulinho Paiakan, cacique kayapó que liderou protestos nos anos 1980 contra a hidrelétrica de Belo Monte, morto pela covid-19 em 2020.
Por volta de 2008, o jovem ikpeng começou a tomar parte nos projetos socioambientais que atuavam no Xingu, como a campanha Y Katu Xingu, mobilização em defesa da água, e a Rede de Sementes do Xingu. Parte de um grupo de jovens indígenas, ele começou a coletar sementes nativas e participar de encontros, feiras e cursos.
Segundo Fátima Piña-Rodrigues, Oreme já mostrava interesse e se destacava nesses cursos que ela e outras pessoas ministravam na região, tornando-se monitor. Com o passar dos anos, a promessa dele se confirmou: hoje, ela é sua professora na Ufscar. “Ele é muito determinado e tem consciência das dificuldades. Essa consciência não facilita o caminho, mas a persistência o ajuda a atingir suas metas”, diz Piña-Rodrigues.
Nessa época, Oreme também apoiou a criação do Movimento das Mulheres Yarang, grupo de coletoras indígenas que começou com 15 mulheres em 2009 e hoje possui cerca de 100 integrantes, tendo coletado mais de cinco toneladas de sementes usadas para restaurar áreas degradadas da Amazônia e do Cerrado.
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