Texto por Ellen Costa
No início de janeiro foi criado o Coletivo SOS Barueri – Saneamento Orientado à Saúde, grupo formado por cidadãos sem nenhuma dependência ou tendência política. No primeiro encontro, realizado em 12/01, estiveram presentes moradores de Barueri, em maior parte do bairro Aldeia, e um jovem de Santo André, provável morador da cidade. O coletivo também contou com a participação do vereador Leandrinho Dantas (da Aldeia de Barueri) e da ativista Roselaine Soares, membro do Movimento Vivas e do Coletivo Juntas por Barueri. Siga o Coletivo no Instagram.
O objetivo do grupo é conscientizar sobre as questões do meio ambiente relacionadas à saúde. Neste momento, no entanto, o foco está na instalação/construção de uma incineradora em Barueri, reprovada pelo Coletivo. Com isso, o grupo tenta anular a licença para a instalação da incineradora, a Usina de Tratamento Térmico de Resíduos Sólidos Urbanos e Recuperação de Energia (URE). Esta utiliza o conceito de incineração (queima do lixo) e será instalada ao lado da Estação de Tratamento de Esgotos (ETE Barueri), no bairro da Aldeia.
“Apesar de o modelo parecer altamente tecnológico, esse é um tipo de tratamento já conhecido e evitado no Brasil. Na verdade, URE é um nome moderno para esconder o conceito de incineração, já que existe um preconceito muito forte, e com razão, em cima dele”, explica Sylmara L.F. Gonçalves Dias, especialista em gestão de resíduos e professora de gestão ambiental, sustentabilidade e ciência ambiental da Universidade de São Paulo (USP), à revista Vero (em 2018).
Esclarecer para a sociedade local as implicações relativas ao saneamento básico (esgoto, resíduos, abastecimento de água etc) são o objetivo do Coletivo de moradores. Embora os temas sejam diversos dentro do Coletivo de Saneamento e Saúde, neste primeiro momento, a pauta principal – o assunto que mais está incomodando as pessoas – é a liberação da licença de instalação da incineradora na cidade de Barueri, localizada na APA do Rio Tietê, entre os Rios Tietê e Rio Cotia.
Incineradoras que numa jogada de marketing são chamadas de usinas de geração de energia. No frigir dos ovos, elas fazem bem por um lado e mal por outro.
Barueri firmou uma PPP – Parceria Público Privada com a empresa Fox Brasil para tratar o lixo (cerca de 870 toneladas/dia) de 3 municípios: Barueri, Santana de Parnaíba e Carapicuíba.
A segunda reunião virtual aconteceu no dia 9/02. O Coletivo já conta com 70 pessoas, moradores da cidade, e algumas instituições.
Valdir Dionízio dos Santos, representante da ONG Rede Ecológica e integrante do Observatório Socioambiental SOS Barueri, diz que ficou perplexo. E não somente com a instalação da usina de incineração ou com os diversos prejuízos que serão trazidos ao ambiente e à saúde humana.
“O que nos deixa mais apavorados é a nossa realidade, mesmo diante de todas as negativas do Conselho de Meio Ambiente, do parecer técnico dos parlamentares, da audiência pública contrária, do povo na rua. Aqui as coisas não funcionam e o povo não tem voz. Aqui a Constituição Federal não se aplica às instituições, não funciona. Está tudo corrompido!
Segundo ele, a realidade tem sido horripilante.
“Não temos direito algum, nem a quem recorrer para reavê-los. E o futuro que nos espera é desolador, nossa luta não é contra a instalação de uma usina. Nossa luta é fazer valer nossos direitos constitucionais, nossa luta é por liberdade. Não podemos mais ser submissos a um governo destrutivo como esse, que nos mantêm no cárcere. Temos uma democracia sequestrada”, desabafou.
Mercado de ações feliz e população triste
O mercado de ações que envolve essa empresa está feliz, porém, a população de Barueri e, principalmente do bairro Aldeia, não está nada contente. Moradores, a ONG Movieco e outras instituições da cidade se uniram para entender o que está acontecendo de fato. Por isso a ideia do Coletivo SOS Barueri surgiu, uma ação de transparência e educação socioambiental. Para fazer parte do Coletivo, basta preencher o termo de adesão aqui.
Os moradores serão os mais afetados e precisam entender a questão dos resíduos como um todo, da parte da gestão pública à obrigatoriedade da destinação e tratamento dos resíduos. Os lucros envolvidos com a queima de resíduos e o que os gases dessa queima representam para a saúde dos moradores precisa ser levado a sério e tratado com responsabilidade. Siga o Coletivo no Instagram.
Segundo a coordenadora de Projetos do Movieco – Movimento Ecológico, Tânia Mara Moraes, “o papel da ONG como instituição da sociedade civil, com atuação na área socioambiental, é articular com a sociedade possíveis soluções para a gestão de resíduos, do ponto de vista da sociedade e da natureza”.
Pedro Alexandre de Almeida Pinto da Silva, da Associação Ingaí, conta porque aderiu ao Coletivo.
“A Associação de Moradores do Bairro Ingaí, de Santana de Parnaíba, entende a importância das questões ambientais e de saúde, e está na defesa ao meio ambiente e do ecossistema do qual todos fazemos parte. Não só aderimos ao SOS Barueri, como a exemplo disso, criamos o SOS Santana de Parnaíba. Meio Ambiente não tem fronteiras e somos um só”.
Conheça a opinião dos moradores que fazem parte do Coletivo SOS Barueri
Rose (Roselaine Soares), Professora de Educação Infantil de 45 anos, ativista e membro do Movimento Vivas e do Coletivo Juntas por Barueri, conta que soube há pouco tempo sobre a instalação da tal incineradora em Barueri, e que logo veio à sua mente inúmeros questionamentos a respeito de como se dará esse processo.
“Penso que diante da ausência de informações detalhadas sobre como exatamente irá funcionar essa empresa, todos nós, moradores de Barueri, deveríamos estar bastante preocupados com essa instalação. Isso em virtude de não sabermos quais os materiais que serão incinerados, se haverá a separação correta de materiais tóxicos, se haverá e qual seria a tecnologia que vai filtrar possíveis gases nocivos, qual a quantidade de resíduos e de gases serão produzidos nesse processo de incineração. Além disso, não temos parâmetros de comparação sobre esse sistema que se pretende instalar aqui, porque não existe no Brasil nenhuma empresa já instalada da mesma natureza. São muitas questões sem respostas, portanto, creio que devemos abrir novamente os canais de diálogo com a empresa e com a Prefeitura. Exigir respostas, estudos de impacto de ambiental e de saúde, saber quais as contrapartidas”, explicou.
Para Márcio Carrion, Professor, a incineração de resíduos urbanos é um contrassenso, já que é a última etapa no ciclo de gestão dos resíduos sólidos urbanos.
“Existem soluções mais baratas e ambientalmente mais adequadas do que queimar resíduos. Isto também está na contramão dos esforços que muitos governos têm demandado na busca pela redução das emissões de carbono e pela mudança da matriz energética, baseada em combustíveis fósseis, para fontes de energia renováveis. Queimar resíduos é eliminar um problema para causar um outros ainda maiores. Temos que promover a educação ambiental, formal e informal, de modo a estimular a redução da geração de resíduos e a preservação da saúde pública e do meio ambiente”, destacou.
Tatiana de Almeida Rocha, motorista de caminhão elétrico, que também esteve presente na reunião do grupo diz que sequer pode imaginar como seria o funcionamento da incineradora em Barueri.
“Não acredito que isso vá acontecer. Devemos imaginar algo quando é sonho, não quando é pesadelo. A Aldeia é minha casa, minha raiz, são 5 gerações da minha família construído nessa terra, que está prestes a virar cinzas num emaranhado de lixo incinerado. Lamentável termos que lutar pela vida de um planeta que pede socorro o tempo todo. Essa é a mais clara contaminação dos 4 elementos no mesmo lugar: água (rio Tietê), terra (cinzas de todo tipo de material), fogo (que produzirá uma fumaça tóxica) e o ar (que receberá essa mesma fumaça)”, protesta.
Luzia Magali Brionas, aposentada, se diz totalmente contra uma incineradora instalada em Barueri ou em qualquer lugar do Brasil.
“Aqui em Barueri por vários motivos. Por ser ao lado do tratamento de esgoto que já exala um mal cheiro horrível e gás no ar, numa área que é área de preservação ambiental com vários documentos que provam, próximo ao rio Tietê que se tornou um esgoto a céu aberto, onde as empresas continuam a derramar seus líquidos tóxicos, contaminando o meio ambiente também. Além disso, é bem próximo a um posto de gasolina, shopping, condomínios e residências, e num bairro onde já estamos sentindo um grande impacto de muitas construções sem planejamento e sustentabilidade, sem ao menos querer saber se tantos empreendimentos num lugar tão pequeno vão tirar a tranquilidade e segurança do local”.
Ela ainda ressalta que os sistemas de esgoto estão todos danificados e que contar com mais essa usina de incineração seria um problema.
“Ele aqui bem pertinho do nosso nariz será o fim. Infelizmente aqui no Brasil não existe fiscalização, as empresas não cumprem as leis, no papel é lindo e maravilhoso, mas na prática fazem errado e quem sempre sai prejudicado é o povo. Na minha opinião existem ideias para 100% de aproveitamento do lixo, e nesse tipo de usina o fogo tem que ser constante, dia e noite, e vai queimar tudo, não terá coleta seletiva. Isso pra mim terá mais degradação do meio ambiente e desemprego”, ressalta.
Ainda sobre os problemas que a incineradora traria para a cidade, Marcio complementa:
“O engodo para justificar essa atrocidade da incineração de resíduos é o seu reaproveitamento para a produção de energia, mas o custo-benefício desse processo é muito alto, pois, certamente, acabará com a reciclagem e os valores arrecadados ainda não serão destinados aos cofres do município, mas irão para o bolso dos sócios da URE, ou seja, eles ficam com os bônus e a população fica com todos os ônus”.
O Coletivo SOS Barueri
No segundo encontro do grupo surgiu uma Carta aberta dos cidadãos de Barueri sobre a incineração de lixo em Área de Preservação Permanente.
O grupo destacou que acredita nos princípios do equilíbrio ecológico, da precaução, do poluidor pagador, da participação comunitária, e da sustentabilidade, e lançou algumas perguntas importantes quanto aos direitos e deveres da comunidade:
1- Por que não consideram a questão das mudanças climáticas, os relatórios do IPCC que apontam a região Sudeste com períodos extremos de chuva?
2 – Por que lançar gases poluentes na atmosfera com risco da saúde humana em troca de energia que poderia vir de outra fonte renovável?
3 – Por que nos deixar expostos a gases tóxicos cancerígenos que escaparão dos filtros, conforme indicação do Estudo de Impacto Ambiental?
4 – Por que foi negada a licença da usina no Bairro dos Altos por ser uma APP e liberada às margens de rios numa APA e APP? Por que a CETESB não considerou a resolução do Conselho de Meio Ambiente de Barueri do dia da audiência pública, a ação popular e o apelo dos moradores?
Para conferir a Carta aberta dos cidadãos de Barueri sobre a incineração de lixo em Área de Preservação Permanente na íntegra, clique aqui.