Reportagem Mara Gama
O veto a todas as formas de incineração de resíduos, incluindo o uso nos fornos para a produção de cimento (CDR) e as usinas de recuperação de energia (URE), é mote de uma carta-compromisso lançada por 30 organizações da sociedade civil no último dia 16 de agosto.
A carta quer engajar os candidatos a todos os cargos eletivos nas eleições de outubro na luta contra as tecnologias de queima e destruição de resíduos no país.
Além desse princípio fundamental, o texto apresenta mais quatro pontos. A defesa da coleta seletiva solidária com base na reciclagem; a luta pelo cumprimento das diretrizes técnicas, ambientais e sociais no encerramento dos lixões; a defesa da PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos) e, como último tópico, o apoio ao desenvolvimento de sistemas alternativos de gestão e tratamento de resíduos. A carta obteve assinatura de 14 candidatos a deputado estadual e federal dos partidos PC do B, Psol, PT, PV, Rede e Solidariedade.
O documento foi elaborado pelo movimento Frente Brasileira Alternativas à Incineração, grupo formado em 2019 por ONGs, pesquisadores, ambientalistas e ativistas que atuam nas áreas de gestão de resíduos, saneamento, urbanismo e meio ambiente, e a associações de catadores. Entre outros grupos, fazem parte o Observatório da Política Nacional de Resíduos, o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), o Observatório da Reciclagem Inclusiva e Solidária (Oris), a Aliança Resíduo Zero Brasil (ARZB), os institutos Nenuca de Desenvolvimento Sustentável (Insea), Pólis, Coletivo SOS Barueri, Apoema Socioambiental e vários núcleos de universidades de Minas Gerais e de São Paulo.
A Frente defende a implementação da coleta seletiva urbana em três frações (recicláveis secos, orgânicos e rejeitos), as políticas de redução de geração de resíduos, a reutilização e o reaproveitamento de materiais residuais com alternativas inclusivas, ambiental, social e economicamente sustentáveis. Como alternativa inclusiva se entende a integração das associações e cooperativas de catadores.
“As entidades e instituições que trabalham com reciclagem inclusiva estão muito preocupadas com o avanço das tecnologias que se baseiam na destruição e da queima”, diz o engenheiro de produção e professor Marcelo Souza, 36, do Oris. “Vários atos normativos do governo Bolsonaro abriram as portas para essas tecnologias”, afirma.
Os dois principais atos normativos, segundo Souza, são o programa Lixão Zero, que preconiza a “recuperação energética” através da queima, desconsiderando a inclusão socioeconômica dos catadores que trabalham nos lixões, e o programa Recicla +, que cria créditos de reciclagem.
“Em nenhum outro lugar do mundo se computam créditos de reciclagem para a queima de resíduos. É sem sentido”, aponta Souza. De fato, o decreto nº 11.044 de abril de 2022, que institui o Recicla +, o certificado de Crédito de Reciclagem, menciona explicitamente, nos artigos 3º, 5º e 7º, as formas de recuperação energética como geradoras de crédito. Elas são definidas como “conversão de resíduos sólidos em combustível, energia térmica ou eletricidade, por meio de processos, tais como digestão anaeróbia, recuperação de gás de aterro sanitário, combustão e coprocessamento”.
“Com o cenário político favorável a essas tecnologias, as ameaças têm aparecido de forma mais concreta. A que está mais desenvolvida é a da URE de Barueri, que ganhou também pela primeira vez um leilão de energia da Aneel”, menciona Souza. “A URE de Barueri se viabilizou por causa desse leilão e tinha o preço mais alto de energia”, diz Souza.
“Acreditamos que existe um movimento orquestrado para trazer essas tecnologias ao Brasil. É importante destacar que é como se a gente estivesse importando refugo tecnológico, porque na Europa a tendência é exatamente o contrário”, afirma o engenheiro.
A URE de Barueri é a primeira concessão pública de serviço para recuperação energética de resíduos, válida por 30 anos. Deve receber mais de 800 toneladas diárias de resíduos sólidos urbanos dos municípios de Barueri, Carapicuíba e Santana de Parnaíba. A empresa responsável foi a primeira a vencer um leilão de energia do governo com uma usina térmica que gera energia a partir do lixo, em setembro de 2021. A potência anunciada é de 20 MW (megawatts).
Sobre o Coletivo SOS (Saneamento Orientado à Saúde)
O Coletivo SOS (Saneamento Orientado à Saúde) Barueri lançou, em fevereiro de 2022, uma carta aberta contra a instalação dessa usina em Área de Proteção Permanente e Ambiental – APP e APA. “Concordamos com a necessidade do manejo e tratamento de resíduos, assim como de novas fontes de energia, contudo, não concordamos com a licença dada pela Cetesb – Companhia Ambiental do Estado de SP para a instalação da usina nesta APA e APP. Pedimos reflexão, consideração e justiça, pautados na legislação brasileira e acordos internacionais do qual o Brasil é signatário”, diz a carta.
Segundo Tânia Mara Moraes, coordenadora de projetos da ONG Movieco, que atua há 20 anos na região, a vontade dos moradores, expressa em Audiência Pública contra a instalação, não está sendo respeitada. Além disso, diz, a população se preocupa com a poluição atmosférica e a geração de um volume de cinzas da futura usina, que será equivalente a 10% do volume de resíduos usados na queima: mais de 80 toneladas diárias.
O uso de resíduos urbanos nas cimenteiras foi implantado no Brasil de 2018, pela Votorantim, de acordo com o site da empresa. O método chamado de coprocessamento de Combustível Derivado de Resíduo (CDR) começou a ser usado na fábrica da Votorantim em Salto de Pirapora, no interior do Estado de São Paulo, com parte do lixo coletado em Piracicaba e Sorocaba. Em 2019, a unidade recebeu a licença ambiental definitiva para utilização do CDR.
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